A flexibilização da quarentena e a curva crescente do contágio
Dentre as diversas preocupações que surgem em tempos de Covid-19, um dos assuntos mais controversos, além do uso da hidroxicloroquina, é a flexibilização da quarentena. Ainda que o número de mortos no país só aumente (com mais de 44 mil mortos até a produção deste texto) e o novo coronavírus siga infectando uma quantidade alarmante de pessoas, é comum ouvir as pessoas defendendo a flexibilização do confinamento voluntário.
Sobre este assunto a Prefeitura de Salvador autorizou, há pouco tempo, a reabertura de alguns estabelecimentos como concessionárias de veículos, clínicas, serviços odontológicos e até mesmo casas de materiais para construção. Do ponto de vista econômico isso é compreensível, pois os impactos financeiros que acometem a população em geral e os empresários é muito grande, mas o que dizer do ponto de vista que preza pela preservação da vida e cumprimento das medidas de isolamento para combater o contágio?
A biomédica e professora da UniFTC, Isis Vergne, diz que o cenário não é nada favorável para uma possível retomada das atividades comerciais, principalmente por não termos ainda um conhecimento exato sobre a velocidade e as circunstâncias em que esse vírus se propaga entre os nossos habitantes.
“Não se conhece muito sobre o vírus e a sua dinâmica, e isso é muito perigoso. Estamos em uma curva ascendente do vírus em sua escala de contágio e promover uma flexibilização pode ser muito arriscado, principalmente por termos muitos casos de indivíduos assintomáticos dentro da população disseminando a Covid-19 de forma inconsciente, uma vez que eles nem sabem que são hospedeiros por não apresentar nenhum sintoma, se tornando verdadeiros transmissores em potencial”, alerta.
Ainda segundo a biomédica, além do momento adverso, umas das desvantagens fundamentais da flexibilização da quarentena é que ainda não há um protocolo medicamentoso eficaz contra o novo coronavírus, sendo que métodos de controle e possíveis vacinas ainda estão sendo pesquisadas e discutidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Estudos feitos pela Universidade de São Paulo (USP) e também pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) analisaram os efeitos causados pela flexibilização, mostrando que se o estado de São Paulo, núcleo central da pandemia no Brasil, manter a medida, o aumento de mortes pelo novo coronavírus pode chegar em até 71%, o que significa cerca de 10.300 mortes a mais do que as 14.632 em condições de isolamento convencional, chegando a assustadores 24.932 óbitos por Covid-19, até o próximo mês de julho.
Vergne diz que “deve-se avaliar essa medida de uma forma muito mais segura e criteriosa. No que tange as instituições de ensino, por exemplo, teríamos um problema sério nas escolas e faculdades pelo fato desses ambientes serem favoráveis à aglomerações. Apesar das primeiras informações, atualmente sabemos que o coronavírus também ataca e mata pessoas sem nenhum tipo de complicação, sejam elas jovens ou até mesmo atletas. Isso nos mostra que precisamos pensar em estratégias que sejam muito bem elaboradas”.
Não podemos descartar o fato de que as pessoas também são um fator determinante para que a curva de contágio continue em ascensão. Uma prova disso é o que aconteceu há poucos dias, no bairro da Barra, em Salvador, quando as pessoas dizendo-se cansadas do isolamento social, saíram deliberadamente das suas casas, desrespeitando as orientações estaduais e municipais de isolamento, aglomerando-se na orla do bairro, como se estivessem em um dia comum de convivência.
“A realidade é que o vírus está em circulação e isso é um fato. E o que observamos é que as pessoas não estão preocupadas nem consigo mesmas e nem com o próximo, isso se ratifica quando vemos este tipo de atitude que aconteceu na orla da cidade. Quando se fala em flexibilização do isolamento, isso não quer dizer que as pessoas não tenham que continuar mantendo as atitudes de prevenção. Essa medida, mesmo com o vírus circulando, pode fomentar uma falsa sensação de segurança e causar um relaxamento nos cuidados preventivos como o álcool gel, máscaras e até na proximidade entre as pessoas. É preciso criar uma consciência coletiva de preservação da vida para amenizar o contágio e reduzir o número de mortes”, ponderou Isis Vergne.
Em uma análise macro do cenário para a flexibilização, pesquisadores da USP também concluíram que cada vez que uma flexibilização acontece em curva ascendente, seja em qualquer parte do mundo em tempos de pandemia, o aumento de óbitos vem logo em seguida, pois a transmissão do vírus se dá pela diminuição do distanciamento físico entre as pessoas.